Crescimento das apostas impacta economia e compromete renda de famílias de baixa renda, com efeitos sociais e psicológicos graves.
As apostas esportivas em plataformas online, conhecidas como “bets”, têm se tornado uma preocupação crescente no Brasil, especialmente entre as classes socioeconômicas de menor poder aquisitivo. Especialistas alertam que esses gastos estão afetando não apenas o consumo de mercadorias e serviços essenciais, mas também a percepção geral de melhora da economia brasileira. O aumento da renda, o crescimento da ocupação e o controle inflacionário são fatores que têm sido impactados pelo desvio de recursos para essas apostas.
De acordo com uma avaliação da PwC Strategy& do Brasil, empresa de consultoria empresarial, os gastos com apostas esportivas já superam outras despesas discricionárias, como lazer, cultura e até mesmo produtos pessoais. O impacto é tão significativo que começa a afetar o orçamento destinado à alimentação. Gerson Charchat, economista e advogado, sócio e líder da Strategy& no Brasil, observa que esse desvio de recursos exerce uma pressão considerável sobre a demanda por produtos essenciais, afetando a dinâmica econômica do país como um todo.
O fenômeno das apostas esportivas online ganhou força no Brasil após a aprovação da Lei nº 13.756 pelo Congresso Nacional em 2018, sancionada pelo então presidente Michel Temer. Desde então, os gastos com apostas aumentaram 419%, refletindo um crescimento expressivo da prática, especialmente entre os jovens de menor poder aquisitivo. Para Charchat, esse fenômeno pode levar a um aumento do endividamento entre a população de baixa renda, o que pode ter consequências negativas para o crescimento econômico do país.
Segundo dados da Strategy& do Brasil, a percepção de dificuldades financeiras entre a população brasileira aumentou cinco pontos percentuais entre 2022 e 2024. Atualmente, um quinto dos brasileiros afirma enfrentar dificuldades para pagar suas contas todos os meses, ou sequer conseguem quitá-las na maioria das vezes.
Renda comprometida e impactos sociais
Embora não haja informações precisas sobre o número de empresas que administram plataformas de apostas no Brasil, nem sobre o volume de dinheiro movimentado no setor, esses números serão conhecidos após as empresas obtiverem autorização do Ministério da Fazenda para a exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa. Somente a partir de então será possível arrecadar tributos.
Os impactos econômicos já foram apontados pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). Uma pesquisa realizada em maio revelou que, entre os que apostam, 64% utilizam parte da renda principal para tentar a sorte, enquanto 63% afirmam que tiveram parte de sua renda comprometida com as apostas online. A pesquisa também revelou que 23% dos apostadores deixaram de comprar roupas, 19% deixaram de adquirir itens de mercado, 14% deixaram de comprar produtos de higiene e beleza, 11% deixaram de cuidar da saúde e 11% deixaram de comprar medicações essenciais.
A economista Ione Amorim, consultora do programa de serviços financeiros do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), alerta que o problema das apostas esportivas escalou para além da economia, impactando também a saúde mental e o bem-estar social. “Hoje, já temos uma realidade de suicídio, destruição de lares, endividamento e perda de empregos devido à dependência das apostas. As pessoas que se endividam acabam caindo em um ciclo vicioso, indo do jogo para o álcool, das drogas para o suicídio”, descreve a economista.
Amorim também aponta que a população brasileira, em geral, tem um baixo nível de educação financeira, o que torna as pessoas mais vulneráveis aos riscos das apostas. Muitas famílias de baixa renda, na tentativa de garantir a sobrevivência, veem nas apostas uma oportunidade de obter recursos para quitar compromissos, sem perceber os riscos significativos de perda.
PL 2234 e a legalização dos jogos
Os efeitos negativos das apostas online podem ser amplificados caso o Projeto de Lei nº 2.234/2022, que autoriza a exploração de cassinos, bingos, jogo do bicho e apostas em corridas de cavalo em todo o território nacional, seja aprovado. A proposta está em tramitação no Senado e, assim como a lei que autorizou as apostas nas bets, é defendida pela perspectiva de gerar emprego, renda e arrecadação de tributos que podem custear políticas sociais.
Contudo, Ione Amorim ressalta que a contabilidade de arrecadação prevista por quem defende a legalização dos jogos não considera as perdas tributárias que ocorrem em outros setores, devido ao aumento dos gastos com apostas. Além disso, a economista alerta para o aumento das despesas do Estado com segurança pública e atendimento à saúde mental, que são subestimados nessa equação.
A autorização para exploração comercial das plataformas eletrônicas de apostas deverá ser concedida pelo Ministério da Fazenda após uma avaliação técnica e legal. As empresas interessadas terão até o final do ano para obter a permissão, mediante o pagamento de R$ 30 milhões à União. Somente após essa autorização, o recolhimento de tributos começará a ser feito.
Enquanto isso, o impacto das apostas esportivas sobre a economia brasileira continua a crescer, comprometendo o orçamento de milhares de famílias e exacerbando as dificuldades financeiras da população de baixa renda.