Levantamento revela que as plataformas de apostas esportivas geram uma perda significativa para o varejo brasileiro, indicando a necessidade de regulação mais rigorosa.
Um estudo recente realizado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) trouxe à tona preocupações alarmantes sobre o impacto das plataformas virtuais de apostas esportivas, conhecidas popularmente como “bets”, no comércio brasileiro. O levantamento aponta que as apostas podem resultar em um prejuízo anual estimado em impressionantes R$ 117 bilhões para os estabelecimentos comerciais em todo o país.
Os dados divulgados na última semana revelam que, entre junho de 2023 e junho de 2024, os brasileiros gastaram aproximadamente R$ 68 bilhões em apostas nas bets. Esse montante representa 0,62% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e equivale a 0,95% do consumo total durante o mesmo período. O impacto dessas apostas no comércio é significativo, pois a perda nas vendas no varejo não se resume apenas ao valor das vendas não realizadas, mas também a custos fixos que permanecem inalterados, gerando um efeito cascata nas finanças dos comerciantes.
Felipe Tavares, economista-chefe da CNC, explicou em entrevista à Agência Brasil que “cada venda que se perde no varejo custa mais que a própria venda. Existem custos fixos que não mudam. Se você estava acostumado a faturar R$ 1.000 por semana e, de repente, começa a faturar R$ 500 por semana, o impacto é maior que R$ 500. O seu quadro de funcionários, o seu estoque, todo o seu custo de capital de giro está programado para um volume de vendas. O que nós calculamos é que há uma perda potencial de R$ 117 bilhões ao ano se continuar com essa escalada de gastos com apostas”.
O estudo utilizou como base o Balanço de Pagamentos, um documento que o Banco Central utiliza para registrar as operações realizadas no país. Através dessa série de dados, é possível observar os gastos das famílias com apostas, revelando a magnitude do fenômeno.
Além de impactar diretamente o comércio, o aumento dos gastos com as bets também coloca muitas famílias em uma situação de inadimplência, o que, por sua vez, afeta ainda mais o consumo no varejo. As apostas se tornaram legais no Brasil após a promulgação da Lei Federal 13.756 em 2018, e desde então, o número de plataformas de apostas tem crescido exponencialmente, acompanhadas por investimentos significativos em publicidade, incluindo patrocínios a clubes de futebol.
Felipe Tavares ainda levantou uma preocupação específica com relação às modalidades de cassino online, como o popular Jogo do Tigrinho, que atraem um número crescente de apostadores. “As plataformas de apostas esportivas passaram a abrigar muitas modalidades de cassino online. E uma dificuldade é que conseguimos levantar o valor das apostas em geral, mas não conseguimos segregar o que é aposta esportiva e o que é cassino online. Olhando para o histórico, antes do Jogo do Tigrinho aquecer, os gastos giravam em torno de R$ 2 bilhões. Com a explosão do cassino online, esse valor saltou para R$ 68 bilhões. Dá para fazer uma estimativa grosseira de que pelo menos 80% dos gastos com as bets são gastos com alguma modalidade de cassino online”, comentou Tavares.
Perfil dos Apostadores
A CNC, em colaboração com a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), também apresentou um perfil dos apostadores. Um dado que chama a atenção é que os cassinos online atraem um público predominantemente feminino, enquanto as apostas em eventos esportivos, como o futebol, são dominadas por apostadores homens. A popularidade do Jogo do Tigrinho entre o público feminino é uma preocupação crescente, pois isso pode indicar potenciais impactos sociais significativos, uma vez que muitos benefícios sociais são direcionados preferencialmente às mulheres.
Uma nota técnica divulgada na última terça-feira (24) pelo Banco Central indicou que beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas por meio de transferências realizadas na modalidade Pix apenas no mês de agosto. Essa situação levou o governo a sinalizar a intenção de aumentar o controle sobre as plataformas de apostas.
Regulação e Cassinos Físicos
Diante da gravidade da situação, a CNC apresentou recentemente uma ação indireta de inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a regulamentação das apostas online no Brasil. A confederação também reiterou seu apoio à regulamentação de cassinos físicos, onde as pessoas podem realizar apostas presencialmente. Segundo a CNC, enquanto as apostas online comprometem a renda familiar e impactam o varejo, os cassinos físicos têm o potencial de gerar empregos e renda nos países onde são regulamentados.
Felipe Tavares argumentou que “é uma importante atividade para o desenvolvimento do turismo brasileiro. Acreditamos que, com os cassinos físicos, poderíamos ter aproximadamente R$ 22 bilhões em arrecadação de impostos por ano. Enquanto isso, com os cassinos online, apenas alcançamos R$ 12 bilhões em impostos segundo os cálculos da Receita Federal. Além disso, os cassinos online não geram empregos formais para o país, enquanto os cassinos físicos podem gerar até 1 milhão de empregos diretos e indiretos na atividade turística.”
É importante destacar que os cassinos foram proibidos no Brasil em 1946, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, que alegou que os jogos de azar eram contrários à moral, à ética e à religião da população brasileira. Essa decisão foi impulsionada por campanhas promovidas pelo Instituto dos Advogados do Brasil e setores da Igreja Católica.
A posição da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) continua sendo contrária à liberação de cassinos, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) também expressa críticas em relação a essas medidas, reconhecendo que o vício em jogos de azar pode se tornar um problema de saúde pública.
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil