Empresa de biotecnologia utiliza engenharia genética para gerar filhotes com traços do predador extinto há 12 mil anos; cientistas questionam identidade dos animais e alertam para riscos éticos e ecológicos
A Colossal Biosciences, startup de biotecnologia sediada em Dallas, anunciou recentemente a criação de três filhotes com características do lendário lobo-terrível (Aenocyon dirus), espécie que dominava a América do Norte durante o Pleistoceno e que foi extinta há cerca de 12 mil anos. O feito inédito foi alcançado por meio de técnicas avançadas de engenharia genética, como a edição de genes via CRISPR, e provocou um intenso debate sobre os limites e as consequências da chamada desextinção.
Um processo científico inédito
A empresa utilizou DNA extraído de fósseis de lobos-terríveis, entre eles um dente de 13 mil anos e fragmentos cranianos datados de até 72 mil anos, combinando essas amostras com o material genético de lobos-cinzentos modernos. Ao todo, 20 alterações genéticas foram realizadas em 14 genes, conferindo aos novos animais traços como mandíbulas mais robustas, corpos maiores, patas mais largas e cabeças mais largas — características que marcavam o lobo-terrível como um dos principais predadores de sua era.
Os embriões modificados foram implantados em fêmeas de lobo-cinzento, resultando no nascimento dos filhotes chamados Rômulo, Remo e Khaleesi. A Colossal afirma que os animais nasceram saudáveis e que possuem um comportamento semelhante ao dos cães e lobos modernos, ainda que com particularidades anatômicas que os aproximam da espécie extinta.
A polêmica da “ressurreição”
Apesar do entusiasmo da empresa, muitos cientistas rejeitam a ideia de que o lobo-terrível foi realmente trazido de volta. Para o paleoecólogo Nic Rawlence, da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, os animais criados não podem ser considerados verdadeiros lobos-terríveis. “Eles são lobos-cinzentos com edição genética. Não são clones, não são réplicas completas da espécie extinta. É uma aproximação”, afirmou em entrevista.
A paleogeneticista Love Dalén, do Museu de História Natural da Suécia, concorda. Segundo ela, a manipulação genética feita pela Colossal não recria uma linhagem evolutiva perdida, mas apenas simula sua aparência com base em poucos genes disponíveis. “Não podemos ignorar que milhares de genes continuam pertencendo a uma espécie viva e não extinta”, explicou.
Questões éticas e ecológicas
O retorno de espécies extintas — especialmente predadores de grande porte — levanta preocupações profundas sobre impactos ecológicos, riscos de desequilíbrios ambientais e mesmo a segurança dos animais modificados. A paleogeneticista Beth Shapiro, que atua como diretora científica da Colossal, afirma que a empresa tem consciência dos limites do projeto e que os “novos” lobos estão sendo estudados em ambiente controlado, sem qualquer previsão de reintrodução na natureza.
A Colossal também planeja, no futuro, recriar o mamute-lanoso e o dodô — projetos ainda mais ambiciosos no campo da desextinção.
Ainda assim, muitos especialistas alertam que esse tipo de investimento pode desviar recursos de ações urgentes para a conservação de espécies ameaçadas atualmente. Além disso, há o risco de os animais “ressuscitados” sofrerem com problemas fisiológicos, baixa adaptação ao ambiente atual e, sobretudo, com o estigma de não pertencerem completamente a nenhuma espécie.
Ficção científica ou o futuro da biotecnologia?
O anúncio da Colossal dividiu opiniões. Para os entusiastas da biotecnologia, o nascimento dos filhotes representa um marco histórico: o ponto em que a humanidade passou a intervir de forma ativa na linha do tempo da evolução. Para os críticos, trata-se de uma iniciativa que ainda carece de base científica sólida e, sobretudo, de reflexão ética aprofundada.
Afinal, até que ponto a ciência pode — ou deve — reverter os processos naturais da extinção? O nascimento de Rômulo, Remo e Khaleesi pode ser apenas o primeiro passo de uma nova era, em que os limites entre o que é natural e o que é recriado se tornam cada vez mais tênues.