Com o aumento exponencial de detritos orbitais, especialistas alertam para os perigos da Síndrome de Kessler, que pode comprometer a segurança no espaço e afetar nossas tecnologias cotidianas.
A crescente quantidade de lixo espacial tem se tornado uma preocupação crescente para a comunidade científica, principalmente devido aos riscos que representa para a segurança da Estação Espacial Internacional (EEI), satélites e outras tecnologias orbitais essenciais para a sociedade moderna. Em novembro de 2023, um pedaço de lixo espacial se aproximou da EEI, fazendo com que os astronautas a bordo se preparassem para um possível impacto. A estação foi desviada por uma nave espacial russa para evitar que os detritos passassem a apenas 4 quilômetros de sua órbita. Caso não houvesse manobra, o impacto poderia ter danificado severamente a EEI, possivelmente despressurizando setores da estação e colocando em risco a vida dos astronautas.
Desde que começou a ser habitada em novembro de 2000, a EEI já precisou realizar manobras semelhantes em várias ocasiões. A situação tem se agravado ao longo dos anos, com o número de objetos em órbita aumentando consideravelmente, tornando o espaço mais congestionado e perigoso. Segundo especialistas, a quantidade de detritos no espaço tem crescido exponencialmente, resultado de colisões, explosões e testes de armas espaciais realizados por várias nações, como Estados Unidos, Rússia, Índia e China. Esses eventos já geraram dezenas de milhares de pedaços de lixo espacial, e a previsão é de que existam ainda milhões de fragmentos não rastreáveis com as tecnologias atuais.
A Síndrome de Kessler, um fenômeno descrito em 1978 pelo astrofísico Donald Kessler, é um cenário temido pelos cientistas. Ele descreve uma reação em cadeia de colisões no espaço, onde um fragmento de detrito gera mais detritos, que por sua vez colidem com outros objetos, criando uma nuvem de fragmentos que pode tornar a órbita da Terra intransitável. Esse efeito em cascata poderia resultar na destruição de satélites e até interromper a exploração espacial como a conhecemos, tornando a utilização do espaço praticamente impossível.
Para os especialistas, a questão não é mais se o lixo espacial representa uma ameaça, mas sim até que ponto o congestionamento pode atingir o limite crítico. Desde o início dos voos espaciais em 1957, a Agência Espacial Europeia registra mais de 650 incidentes de fragmentação de objetos no espaço, incluindo colisões e explosões de satélites. A última grande colisão aconteceu em 2009, quando dois satélites se chocaram, gerando uma nuvem de quase 2 mil pedaços de detritos.
O monitoramento e rastreamento dos objetos no espaço, conhecido como “consciência situacional espacial”, é um desafio diário. Apesar dos esforços tecnológicos, o número de alertas de colisões entre objetos espaciais está aumentando. A maior parte dos detritos não pode ser rastreada, especialmente os objetos menores, que representam grandes riscos. Até mesmo partículas minúsculas podem causar danos significativos devido à velocidade com que se movem no espaço. A Nasa destaca que um simples floco de tinta pode danificar seriamente a estrutura de uma espaçonave devido à sua alta velocidade.
A situação é ainda mais grave em altitudes mais elevadas, como a órbita geossíncrona, que abriga satélites de comunicação e meteorológicos essenciais para a nossa vida cotidiana, como a transmissão de TV e serviços de internet. O perigo é maior porque, uma vez lá, os detritos não podem ser removidos facilmente. A maioria dos objetos em órbita baixa se desintegra ou volta para a Terra em alguns anos, mas os detritos a altitudes mais altas podem levar séculos ou até milênios para desaparecer.
O filme “Gravidade” (2013) popularizou a ideia da Síndrome de Kessler, mostrando um cenário de destruição em cadeia no espaço. No entanto, os especialistas alertam que, embora o conceito seja real, uma catástrofe de escala semelhante à mostrada no filme pode levar anos ou décadas para se materializar. O número de objetos rastreados no espaço aumentou significativamente desde o lançamento do filme. Em 2013, havia cerca de 23 mil objetos sendo monitorados, enquanto hoje esse número supera os 47 mil.
Apesar de esforços para prever quando e como a Síndrome de Kessler poderá se desencadear, as previsões são imprecisas. A falta de dados completos sobre a localização dos objetos menores e a imprevisibilidade do clima espacial tornam difícil determinar o futuro imediato do tráfego orbital. Mesmo com os melhores modelos, ainda é impossível prever com precisão os movimentos dos detritos.
Por mais que existam medidas de mitigação, como o desenvolvimento de satélites que podem desviar de colisões e a proposta de limpezas de detritos, a situação no espaço segue preocupante. Embora a maioria dos especialistas não acredite que uma catástrofe seja inevitável, o consenso é de que, se não forem tomadas ações urgentes, o lixo espacial continuará a se proliferar, comprometendo as tecnologias espaciais e o futuro da exploração.